terça-feira, 5 de junho de 2012

Bem-me-quer


                                                         
   Ele me falava que eu era tímida demais e eu falava que ele era descolado demais para falar comigo. E ele dizia que não se importava. Logo de cara ele soube de toda a minha vida. Contei do meu passado, do meu ex namorado babaca e ele me contou das gatinhas que estava pegando. Logo vi queera daqueles caras que não dá para se apaixonar. Então era do meu tipo: os babacas impossíveis que me largam na primeira oportunidade. Mas com ele seria diferente, eu tentaria resistir aos seus olhos castanhos e tenho certeza que ele não teria nenhuma dificuldade em resisitir a mim. Logo descobri que não seria tão fácil assim. Ele era o cafajeste com o sorriso mais lindo do mundo, com o cheiro amadeirado mais impregnante e com o melhor abraço do mundo. Eu contava dos caras, ria e comendo uma batata dizia ”Ele era babaca demais, não sabia nem o que era um életron.” E ele ria mais ainda de mim dizendo que eu era uma nerd sem fundamento e que saber o que era um életron não mudava a vida de ninguém. E bagunçava meu cabelo. E falava com aquela voz mansa que eu ia morrer solteira por escolher demais. Eu concordava. E riamos. E eu me apaixonava. E ele me contava das gatinhas e dizia ”Já tinha pegado 5 vezes, cansei do perfume dela.” E eu ria. Porque ele me dizia que o meu perfume era o melhor do mundo e que nunca iria se cansar. E eu alimentava. Acreditava. E passeavamos no parque e ele me comprava botões de flores. E ria da minha cara. Ele sabia que eu odiava flores e comprava para me provocar. E eu saia chateada e ele ia atrás de mim. E me puxava pra si e dizia ”Fica assim não gatinha, é brincadeira” e dava aquele sorriso. Aquele sorriso. E eu fazia qualquer coisa por aquele sorriso. E então eu me soltava e corria e ele ia atrás de mim. Como duas crianças, com algodão doce e balões. E aos domingos ele comprava sorvete e me acordava pra gente fazer uma maratona dos nossos filmes preferidos. Aqueles quais nós já sabiamos as falas. No fundo isso era apenas uma desculpa pra gente arrumar mais tempo pra ficar junto. E deitavamos no terraço e ele perguntava pra mim o que eu estava pesando e eu respondia ”Nada” e ele olhava pra mim e ria. Ele sabia que eu penso demais e que odeio ”nada”. Porque nada é pouco e ele sabe que não me contento com pouco e muito menos com nada. E por ele saber disso eu o amava cada vez mais. Eu por já saber a resposta não perguntava no que ele estava pensando. Ele estava pensando na Maria. Sua ex noiva. Como ele mesmo se refere ”a maior tristeza da sua vida”. O acontecimento que fez ele tentar se preencher de outras, cheias de vazios. De meias bocas, meias vidas, meios inteiros. Meias mulheres. E antes que eu pudesse terminar de pensar ele falou ”Obrigado por ter me adotado”, entrelaçou seus dedos nos meus e sorriu. Aquele sorriso. E tirou uma flor do bolso. Uma azaléia. E pela primeira vez eu soube que não era de próposito. E ele não riu. E foi daí que eu soube que tinha alguma coisa errada. Não estavamos mais falando das estrelas que viram buracos negros, nem das pessoas que passavam a baixo do terraço, nem do próximo sabor de sorvete que tomaríamos. Estavamos falando da sua doença terminal. A qual ele não havia me contado. Tentava argumentar que não queria que eu me aproximasse dele por pena. E deu aquele sorriso e me abraçou. E choravamos. Eu chorei por perder mais um pedaço de mim e ele chorou por me perder. Era a última semana de vida dele. Me agarrei contra o seu corpo como se aquilo fizesse toda a minha vitalidade passar para ele. Mas não foi isso que aconteceu. Aquele sorriso que eu tanto amava ao longo dos dias foi perdendo a força, o brilho, até que um dia se apagou. Em meio as coisas que ele deixara pra mim com o dizer “Pra você lembrar de mim, pequena” tinha algumas fotos, alguns bilhetes citando Los Hermanos e tinha uma carta que nunca tinha sido enviada com o meu nome. Não contive as lágrimas. Não pude. E abri a carta com dois parágrafos não muito elaborados e cheios de frases desconexas cheias de sentimentos. ”Eu não consegui contar a você” preenchia a maior parte das orações. Ou ”Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida” e ainda ”Você era a minha unica saída” e por último ”Ainda vamos correr por muitos parques com balões coloridos, pequena.” Enquanto eu idealizava a nossa vidinha, você vivia os últimos momentos da sua. Enquanto eu te desejava em segredo, não tive a capacidade de ver que você me desejava abertamente. ”I am you” dizia a última frase do segundo paragrafo. E eu joguei azaléias no seu túmulo e chorei pelo bem-me-quer que eu desperdicei.

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